08 ⁕ bienais

e a descentralização da cultura

tudo é rio? ⁕

a bienal do livro do rio tinha muita gente. Gente demais. Eu, com meus um metro e sessenta e poucos de altura, por vezes me sentia perdide, engolide por uma multidão, dissolvide num volume excessivo de coisas. Já passou um mês do fim do evento, mas não esqueci a quantidade de estímulos por metro quadrado: corpos, vozes, sacolas, anúncios, luzes, cheiros, livros, livros, livros. Foi um evento de dimensões que eu nunca tinha visto. Andar por aqueles corredores foi uma experiência que me arrastava e me engolia.

ah, claro, tinha também os números. as listas dos mais vendidos, os livros esgotados antes mesmo da metade da feira, os números que circulavam nas redes: tudo isso me assombrava. E não de um jeito bom. Era um assombro que me fazia questionar o que cabe e o que sobra na festa do mercado editorial. Entre tantos lançamentos de grandes editoras, autores com milhões de seguidores, filas imensas para fotos e autógrafos, uma criadora de conteúdo literário me perguntou numa entrevista: como é ser ume autore queer e nordestine aqui?

eu estava no Rio por dois dias. Eu só pude estar lá por dois dias. O custo de tudo pesava. Passagem, hospedagem, alimentação. Estar presente em eventos do Sudeste sendo uma pessoa do Nordeste é uma travessia. Esses dias, comentei no threads que pessoas do Sudeste costumam dar pouca atenção aos eventos aqui de cima. As respostas variaram entre “por que eu me importaria com um evento fora do meu estado?”, “é mais acessível para todo mundo ir para São Paulo ou Rio de Janeiro” e “é muito caro ir para o Nordeste”. Entre falta de empatia, de noção da realidade e de bom senso, as respostas resumem bem a centralização da cultura no Brasil: os grandes eventos ocorrerão aqui nessas duas cidades bem próximas uma da outra e o resto do Brasil que se vire para comparecer.

“Eu, morando em SP, tenho DINHEIRO pra ir pra Pernambuco? NÃO! Então, PRA MIM, a próxima Bienal é de São Paulo! Bienal é REGIONAL, exceto pra quem é rico e pode ficar pra lá e pra cá de avião o ano inteiro. Se a maioria dos influenciadores é de SP, então vão falar da Bienal de SP. Quem é de Recife é que tem que se engajar e divulgar para as pessoas de Recife e do estado de Pernambuco!“

descer para sp ⁕

nós daqui de cima descemos para BC SP porque precisamos. Não é luxo, não é porque somos ricos, é porque editoras e empresas olham com desconfiança para a nossa região, não nos veem como leitores nem compradores (muito menos como autores), então os investimentos ficam apenas em São Paulo e no Rio. Precisamos ir para lá para encontrar os autores que gostamos, para ver os estandes megalomaníacos e, no caso de autores, para trabalhar, encontrar editores, agentes e tudo mais.

pois, no meio de todo aquele luxo, eu me perguntava: cabem nossas histórias aqui?

participei da programação paralela da Bienal, fui chamade pela Skeelo para falar numa mesa sobre literatura de horror. E, mesmo ali, falando da potência do horror nordestino, das narrativas que nascem entre a caatinga e a restinga, sentia que minha presença era uma fissura num território que ainda custa a nos ver. Foi incrível, claro. É sempre muito bom quando alguém te escuta. Mas também é cansativo estar onde quase nada foi feito para que a gente esteja presente.

eu me movia naquele espaço como quem atravessa uma cidade grande pela primeira vez: admirado e exausto. Queria encontrar mais vozes como a minha, mais autores que escrevem desde a margem, e não apenas sobre a margem. Queria mais espaço real, e não só simbólico. Queria que minha fala não fosse exceção. Queria que mais de nós pudéssemos estar, sem precisar se endividar, se dividir, se espremer.

enquanto o mercado continua a aplaudir seus gigantes, sigo acreditando nas pequenas rachaduras por onde o Nordeste insiste em vazar.

Pernambuco é meu país ⁕

a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco foi a primeira bienal que eu fui na vida, em 2023, quando eu mal tinha um livro publicado, e mesmo sem estandes com investimentos milionários (a maioria sem sequer uma adesivação básica nas divisórias), sem editoras de alcance nacional, sem influenciadores com milhares de seguidores, quase só de editoras e escritores independentes e livrarias locais, eu me senti deslumbrado porque ali havia uma sensação de pertencimento: conheci, encontrei e reencontrei meus próximos, estreitei laços com minha localidade.

e agora, enquanto o mundinho editorial do Sudeste está se deslocando em massa para a FLIP, nós aqui nos preparamos para a décima quinta edição da Bienal de Pernambuco, que vai ocorrer entre os dias 3 e 12 de Outubro no Centro de Convenções de Olinda.

apesar de ser trabalho, para a gente do ramo editorial, bienais também são afetivas, afinal somos, antes de tudo, leitores, é por isso que estou fazendo o meu máximo para que essa nossa bienal daqui seja diferente: chamando amigos de fora, fazendo hype nas redes sociais, enchendo o saco da minha editora para virem para cá (e deu certo, a Naci, assim como outras editoras, como a Flyve, vão vir para uma bienal fora do eixo SP-RJ pela primeira vez!), participando de grupos com gente que vai vir para cá. Enfim, é um esforço conjunto.

a produção da bienal já confirmou a presença de grandes nomes (autores e criadores de conteúdo) e a movimentação nas redes está bem alta. Dessa vez, fala-se bem mais da Bienal de Pernambuco do que na edição passada. Mas, ainda assim, seguimos ignorades pelas grandes editoras, que continuam a recusar investir em nossos eventos. Enfim.

os oito porquês ⁕

no mês passado em fiz nas minhas redes sociais uma lista de motivos políticos e sociais para nós, agentes literários (escritores, influencers, leitores, etc) apoiarmos bienais do livro fora do eixo Sul-Sudeste, e acho que essa é uma boa oportunidade para colar aqui. Lá vai:

  1. descentralizar o acesso à cultura literária

    o Brasil sofre com uma forte concentração de investimentos, visibilidade e distribuição cultural no eixo Rio-São Paulo. Apoiar eventos fora desse eixo é romper com essa lógica desigual.

  2. fortalecer políticas públicas e eventos regionais

    a Bienal de Pernambuco tem se mantido como um dos maiores eventos literários do Norte-Nordeste, mesmo com orçamentos muito menores que os dos eventos do Sudeste. A visibilidade nacional é um incentivo para que iniciativas públicas e privadas mantenham e ampliem os investimentos aqui.

  3. ampliar o acesso de leitores e autores periféricos 

    muitas vezes, autores do Nordeste, Centro-Oeste e Norte não conseguem chegar às grandes editoras, livrarias e eventos do Sudeste. Apoiar essas feiras ajuda a dar visibilidade a novas vozes, fortalecer editoras independentes e criar espaços de pertencimento para leitores de diferentes realidades sociais e geográficas.

  4. combater o apagamento cultural e a desigualdade histórica

    existe um apagamento sistemático da produção cultural nordestina, amazônida e interiorana, muitas vezes vista como “regional” e não universal. Dar visibilidade a eventos como a Bienal de Pernambuco é uma forma de enfrentar esse apagamento e promover um imaginário literário mais plural e inclusivo.

  5. intercâmbio e bibliodiversidade

    quanto mais os eventos se fortalecem, mais ocorrem trocas entre autores, editoras, leitores e influenciadores de diferentes regiões. Isso favorece a bibliodiversidade, valoriza a produção literária independente e contribui para um mercado mais sustentável e representativo.

  6. ampliar o impacto e o alcance do próprio trabalho

    influenciadores literários que atuam em rede com outras regiões ajudam a ampliar sua relevância nacional e a formar uma base mais diversa de leitores e seguidores. A atuação engajada em eventos como a Bienal PE fortalece a imagem de quem não se limita ao eixo e reconhece a potência cultural do país inteiro.

  7. apoiar eventos acessíveis e populares 

    bienais nordestinas tem histórico de preços acessíveis, entrada gratuita em muitas atividades e foco em formação de leitores. É uma oportunidade para apoiar eventos que democratizam o acesso ao livro e à leitura, especialmente em contextos de vulnerabilidade social.

  8. posicionamento político

    num país tão desigual, é coerente que influenciadores com maior alcance assumam responsabilidade na redistribuição de atenção, visibilidade e reconhecimento. Não dá pra falar de leitura sem falar de justiça social e redistribuição de oportunidades. Divulgar as bienais fora do eixo é uma escolha ética.

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⁕ até o próximo risco!

⁕ oi! sou lucas santana — escritore, biólogue e paraibane vivendo em recife. exploro minhas vivências como pessoa queer, não-binária e moradora de uma cidade nordestina cortada por manguezais para escrever sobre o horror e o fantástico que atravessam meu cotidiano. gosto de histórias de investigação, de assombração, de revolta e de vingança. escrevi os livros sangue raro (naci), o silêncio do mangue (naci) e a trama da morte (corvus). publiquei contos nas revistas suprassuma (suma), pulpa (escambau) e the dark, e nas antologias lgbterror (diário macabro) e rocket pages (rocket). de forma independente, publiquei o romance ilhados e os contos o parque e fruto podre, semifinalista do VIII prêmio ABERST. Vocês podem me encontrar no instagram, bluesky, tiktok ou pedalando pelas ruas do centro de recife.